
Em
uma certa tarde do verão de 1987, a equipe do laboratório de síntese
orgânica do Instituto de Química da Unicamp assistiu a chegada de
inúmeros insetos da espécie
L. serricorne que atravessaram as
janelas para pousar sobre as bancadas. A visita inesperada tinha uma
explicação científica. O trabalho recém-concluído no laboratório havia
obtido, de forma sintética, o feromônio excretado pelos insetos,
utilizado por eles na busca de parceiros. Durante os anos seguintes, uma
série de resultados importantes, tendo em comum a síntese de moléculas
com atividade biológica, se somariam à carreira do pesquisador
Ronaldo Aloise Pilli,
um dos pioneiros em sínteses totais do IQM da Unicamp. Ele foi o
conferencista escolhido para a abertura da 35ª Reunião Anual da SBQ,
que acontecerá de 28 a 31 de maio, e terá como tema "Síntese Orgânica:
pequenas moléculas, grandes desafios".
Outros projetos voltados para a síntese de produtos naturais bioativos
se seguiram, como a do componente do feromônio da formiga lava-pés, e da
aglicona do antibiótico 10-desoximetimicina. Os feitos marcaram, da
mesma forma, etapas na evolução da pesquisa e abriam frentes para outros
grupos da área. Os ganhos assinalados durante essa trajetória registram
a contribuição como formador de uma geração de novos pesquisadores,
ajudando a moldar a face atual da ciência brasileira. Foram cerca de 20
dissertações de mestrado e aproximadamente 30 teses de doutorado, que
formaram professores e pesquisadores, hoje atuantes no Brasil e no
exterior.
Outra linha de trabalho que abriu portas para a inovação, e que será
abordada na conferência, é a síntese de alcalóides, cuja obtenção em
laboratório envolvia a exploração de novos métodos sintéticos. Em uma
fase seguinte, a partir do início dos anos 2000, Pilli dirigirá sua
atenção para o estudo da atividade biológica de compostos sintéticos
inspirados em produtos naturais, em associação com outros especialistas,
visando, principalmente, a química medicinal. "É um esforço para
entender a ação de pequena moléculas sobre os sistemas biológicos",
observa.
O desenvolvimento da área de síntese no país caminhou em paralelo com a
carreira de Ronaldo Pilli. Ele lembra que em meados dos anos 1980,
quando começou a trabalhar de forma independente, havia poucos grupos
dedicados a essa atividade, estabelecidos em São Paulo, Rio de Janeiro,
Brasília e Rio Grande do Sul. "Decidimos que seria importante ter uma
comunidade de químicos sintéticos bem treinada que pudesse atuar em
nível nacional e internacional". Uma das iniciativas para isso era criar
congressos que propiciassem a interação dos pesquisadores, recorda. Daí
surgiu o Brazilian Meeting on Organic Synthesis (BMOS) que no próximo
ano celebrará sua 15ª edição.
Hoje, olhando em retrospectiva para esse processo, ele avalia que o
esforço da comunidade tornou possível à pesquisa aparelhar-se para
encarar os grandes desafios com os quais a Química se defronta: "talvez a
vocação da medicina do futuro seja antecipar os diagnósticos e aí temos
um papel muito importante. Podemos contribuir para criar produtos que
venham a prevenir essas doenças. Mas isso não isoladamente, claro. Nós
temos que colher informações que vêm, por exemplo, da área de genômica,
proteômica e bioinformática. Se nós soubermos nos associar a
especialistas dessas áreas, poderemos avançar muito rapidamente".
O paulista de Piracicaba, Ronaldo Aloise Pilli, fez sua formação
acadêmica na Unicamp e o pós-doutorado em Berkeley, na Universidade da
Califórnia. Tem cerca de 100 trabalhos publicados em periódicos de
circulação internacional que geraram 1.500 citações. Relaciona, também,
patentes registradas na área de feromônios e fármacos. É detentor do
prêmio
"Silver Jubilee Award", da Fundação Internacional para a
Ciência, da Suécia. No Brasil, foi homenageado com a Ordem Nacional do
Mérito Científico (2006) e o Prêmio de Reconhecimento Acadêmico Zeferino
Vaz (2008). Foi membro do corpo editorial da revista Química Nova,
editor do
Journal of Brazilian Chemical Society e diretor do Instituto de Química da Unicamp, instituição da qual é atualmente Pró-Reitor de Pesquisa.